terça-feira, 24 de novembro de 2015

Embarque

Já são quase 2 meses de 6 horas diárias entre ônibus, trem e metrô. Dormir, ler e ouvir música já não preenchem mais a sensação de tempo jogado no lixo que eu sinto todo dia, então acho que vou voltar a escrever pra me ocupar.
Nesse início de experiência (que francamente espero ser mais curta possível) comecei a observar várias coisas em mim e ao meu redor. São Paulo é uma escola, realmente. O dia-a-dia é completamente diferente do final de semana. Desde a primeira semana caí na real da maravilha e agonia que é perceber que sou só mais um no meio de milhões, ninguém me conhece, ninguém presta atenção no que eu faço ou como eu me visto e ninguém tá nem aí pra mim. Essa ambiguidade de libertação e angústia ainda me confunde um pouco, mas me ensinou que eu não preciso ter vergonha de qualquer atitude minha porque não sou observado. Que gostoso.
Uma coisa que me assusta é a pressa das pessoas. Incomoda a correria, a falta de educação, o empurra empurra pra conseguir um lugar sentado no trem, a impaciência de ter que descer pelo lado esquerdo na escada rolante pra chegar 5 segundos antes que todos na plataforma. Essa é uma característica do paulistano que eu detesto e no dia que me vi fazendo o mesmo parei, respirei fundo e chorei. Não quero ser essa pessoa. Faço todo o trajeto na maior calma possível senão enlouqueço.
Infelizmente meu medo de tudo aumentou, ando com olhos na nuca observando tudo, escondo minha carteira no lugar mais inacessível da minha mochila. Já me roubaram um óculos e um cigarro (difícil de acreditar). Parei de dormir por causa disso, mas não tem muito mais que eu possa fazer.
Trabalhar na capital me abriu a cabeça e me mostrou mais uma vez o tipo de pessoa que eu não quero ser. Logo, hoje sei quem sou e pra onde ir. Isso me satisfaz de um jeito ainda meio confuso mas acho que meu caminho está se clareando.
Nunca fui ambicioso, mas sempre quis ter grana. Não quero mais. Lidar com a classe social mais abastada, a elite, pessoas que acham que dinheiro compra tudo (quase sempre), me fez sentir repulsa pela riqueza e o mundinho superficial dos "designers". Acho que você pode ser o papa e ter feito um tapete à mão: nunca vou achar justo pagar 40 mil nele. Ou 90 mil numa poltrona "assinada". Quantos anos - ou décadas - a copeira do escritório teria que trabalhar pra ter na sua sala uma " poltrona assinada"? Pensar nisso me dà vontade de vomitar.
Minha maior mudança nesses dois meses é que hoje eu quero ser arquiteto. É até perturbador escrever isso. Mas eu quero ser arquiteto: quero construir, fazer a diferença, impactar positivamente na vida de quem precisa de arquitetura e condiçōes mínimas de qualidade pra ter dignidade. Vou tentar me encaminhar pra área de habitação social. Não sei ainda como, mas essa é a decisão mais sensata que eu jà tomei e devo tudo isso ao meu emprego atual, que é o oposto do lugar que eu quero chegar. Se é pra estudar mais de 5 anos pra ter uma profissão, eu quero é ajudar o povo, não madames.
Estou feliz comigo mesmo.
A rotina não tá fácil, choro sempre porque sou dramático, reclamo, reclamo, passo nervoso, mas aprendi tanto. Me dei conta de que sobrevivo. Não sou especial, sou privilegiado, e passar perrengue tem me ensinado. Claramente quero mudar o cenário, mas num quadro geral sinto mais gratidão pela oportunidade e aprendizado. Agora só preciso continuar correndo atrás.

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