quarta-feira, 1 de setembro de 2021

As vezes que senti pela primeira vez

 Essa noite eu tô deitado na minha cama grande e confortável, minhas luminárias coloridas criam um modo perfeito enquanto me apoio em quatro travesseiros pra poder escrever. Meu quarto é bem grande, ainda meio em branco, mas muito espaçoso com pé direito alto - assim como todo meu apartamento. Moro no bairro que eu decidi morar aos 15 quando fiz amigos no fotolog que moravam aqui, tenho um bom dinheiro no banco e trabalho com arquitetura, pois é, me formei e cá estou. São Paulo, 30 anos, bolso cheio, cheguei lá.

Tava vendo uma série agora no hbo mas que reacendeu um sentimento que vez ou outra ressurge no meu peito, não sei dizer o nome dele, é um misto de saudade e melancolia mas não de um jeito muito muito triste, se bem que estou há horas chorandinho. 

Acho que é aquela sensação de falta de sentir. Parece muito bobo mas sinto falta da emoção ao fazer algo pela primeira vez ou do frio na barriga de passar por alguma experiência muito incrível e marcante na vida. Me vem algumas memórias na cabeça que automaticamente fazem meu coração acelerar e meus olhos encher de lágrimas. 

Meu primeiro amor foi aos 10 anos e era algo muito inocente. Um dia nos dois estávamos numa roda gigante em um parquinho de diversões e eu prometi a mim mesmo que lá no alto eu daria um beijo nela, como prova do meu amor. Acabei não dando por vergonha, me arrependi muito na mesma noite. Meu primeiro beijo foi na casa da Maria, eu e a Carol trocávamos varias mensagens no MSN ate que um dia depois da escola a gente se beijou. Foi horrivel, nossos dentes ficavam batendo um no outro, eu tremia. Algumas vezes depois isso foi melhorando mas esse romance não durou. Nessa época eu queria ser jovem a todo custo, e foi aos 13 que assisti Aos Treze, prato cheio pra rebeldia sem motivo que efervescia aqui dentro. Como era legal é problemático o inicio da minha adolescência. Lidava com mudanças de casa, no meu corpo, de colégio, de rotina. Ouvia musicas tristes e chorava sem grandes motivos, único grande motivo era o bullying que sempre sofri, com intensidades diferentes, ao longo dos anos. Com 15 namorei a distancia e foi o primeiro amor de verdade que senti. Viajei, vi ela na minha frente e não em fotos ou pela webcam, ela era tão linda quanto eu achava. O primeiro beijo com amor que eu dei foi na sala de cinema do shopping flamboyant em Goiânia, foi a primeira vez que eu desejei que o tempo parasse. Como era gostoso e tambem inocente amar a Laura. Meu peito acelerava sempre que a gente se falava, por telefone ou por internet, era um amor intenso demais. Foi muito lindo o que eu vivi. Com o fim desse amor a rebeldia voltou de um jeito diferente: na escola eu era meio gatinho. Vivi 2 anos sendo querido pelas pessoas do colégio, as meninas eram a fim de mim, comecei a beber, a ter meus porres, a fumar cigarro na rua atrás do colégio antes do sinal tocar. Era um mulekao. E era ótimo. Era ótimo sair pra beber depois da aula e jogar sinuca, ou matar aula pra beber e jogar sinuca, pegar o trem pra São Paulo e ir na galeria do rock, ver meus amigos da internet, entrar nos bares e na balada com RG falso, era tudo muito muito rápido e muito novo mas era o que eu queria tanto na época: ser jovem e aproveitar minha juventude ao máximo. Nunca tinha dinheiro, não sei como fazia tanta coisa. A primeira vez que cai de bebado e acabei com o churras; “o Daniel morreu!!”, a Nana gritava isso enquanto eu não acordava depois de ganhar a aposta das duas loiras de medicina que prometeram me beijar se eu virasse toda a bebida. Nunca mais vi elas na vida, mas beijei. Nesse meio tempo da adolescência eu me questionava la no fundo do que eu gostava, já havia trocado mensagem com uns caras online, mas nada muito alem de curiosidade. Nas mensagens sempre falava “isso é só curtição só, eu gosto de mina” haha. E de fato, gostava! Sinto só pena da Rebeca, que tirou minha virgindade. Eu tava tão nervoso que tudo acabou muito rápido, joguei a desculpa na bebida, nunca mais nos vimos. Era legal a vida no interior até, tinha muito perrengue, muita cobrança dos meus pais, mas sempre dava um jeito. Quantas vezes eu já não dormi na rodoviaria esperando o primeiro ônibus pra voltar pra casa depois do role, se naquela época tivesse Uber e meu limite no cartão de credito, eu tava feito. Nunca vou esquecer tambem da sensação de ir pela primeira vez pro sul de ônibus. Essa fase foi um delirio, foi o final da adolescência, o final de quando tudo era novo. Foi la que eu fiquei hipnotizado por tudo, por uma cultura que não era a minha, pelas pessoas que eram todas muito lindas e pelo menino que veio me beijando na varanda da Brenda antes da gente ir pra Oktoberfest. Foi o beijo roubado que virou minha vida e cabeça do avesso, eu nunca me apaixonei tão perdidamente em tão pouco tempo. O olhar triste do Raue e o cabelo emo eram o combo perfeito pra dilacerar meu coração e olha como ele foi dilacerado. Eu só pensava nele, em Blumenau, em largar tudo. E larguei. Deixei meu primeiro trabalho, deixei meu rolezinho de faculdade do interior, muito bar no meio da aula pra ir pra um delírio completo. E foi nessa que morei pela primeira vez sozinho, outra sensação maluca. Não necessariamente sozinho, a republica era casa de mais umas 5 pessoas eu acho, mal via elas. Lembro bem do dono da republica dizendo pra mim no dia que fui la conhecer antes de me mudar: “você não é gay ne? Nada contra, mas só prefiro não ter ninguém homossexual por aqui”. Neguei, afinal, essa época eu gostava de pessoas, não tinha rótulos, eu mal me conhecia. Mal sabe ele que alem de fato levar escondido boys pra la, chamei uma amiga sapatao pra morar na republica tambem. Eventualmente fomos expulsos, vazou que a gente quebrava as regras sempre. A principal era não levar gente pra casa. Vivi os melhores meses de libertação num lugar que hoje vejo que é o puro conservadorismo. Mas na época era minha bolha de pessoas que, assim como eu, estavam se conhecendo. E crescendo. Cresci muito em Blumenau, me dou conta só hoje. Quando esse delírio acabou e eu voltei pra casa tive poucos primeiros momentos que me marcaram de verdade. Eu já era grandinho pra vir pra São Paulo sair com o Marcelo pra baladinhas gays, pra ir pro Glória com o Alex quando ele vinha me visitar, sempre pegando metro pra sair, dinheirinho contato, garrafão de vodka com suco no caminho, era muito divertido, uma grande bagaceira. Mas era tudo mais do mesmo já. Um dos últimos foi meu primeiro namoro com um homem, que conheci comemorando meu aniversario, fui jogado pra fora do armário pelo jeito como ele me olhava quando foi passar um final de semana em casa como “meu amigo”. Foi aí que a coisa ficou seria. Acho que me aceitei gay mesmo. O Bru me ensinou muita coisa mas a principal foi que eu nao estava errado em ser quem eu era e andar de mãos dadas pelo centro no final de semana fazia tudo o que eu havia ouvido a vida inteira cair por terra. Nesse tempo que me assumi pros meus pais que tive uma das conversas mais importantes com o meu pai (lembro de 3 grandes conversas: quando eu tava sendo muito afeminado aos 10 e meu pai me assustou dizendo que meu tio que era gay morreu de aids porque transava pelo cu, quando aos 11 ele disse pra ser menos afeminado no colégio novo porque eu poderia sofrer, com 14 quando ele encontrou meu perfil no Orkut que dizia que eu já havia pensado em me matar mas na verdade eu só era emo) e ele me disse que podia nao entender, mas ele me amava e me aceitava. Fui chorar como naquele dia só quando vi ele no hospital após receber a notícia que tinha câncer. Meus últimos grandes primeiros momentos foram o aperto que senti no último fds na casa do Bruno antes de ir pro intercâmbio e nosso último abraço antes do intercambio. Como uma cena de filme, ele dormia bem calminho no Studio na bela vista que ele morava e eu nao conseguia dormi. Lembro de pegar um cigarro e ir pra janela, olhava aquela vista enorme e pensava em como queria ir pra fora mas em como nao queria deixar esse menino pra trás. Foi muito triste. E tambem foi muito lindo ele ir ate o aeroporto na correria me dar tchau antes de embarcar. 

Dai pra frente foram primeiras vezes de adulto que nao são tão emocionantes quando se é mais jovem. Primeira vez morando fora, primeiro trabalho depois de formado, primeira vez morando em São Paulo, primeiros boletos pagos com meu dinheiro, primeiras vezes usando alguma droga pra dançar e esquecer da semana pesada, primeiras crises de ansiedade pela grana apertada, primeiro viagem com namorado sendo adulto, primeiro menage, primeiros moveis comprados pra casa, primeiro apartamento alugado, primeiros checks no script da vida adulta que demorou um tempo mas chegou com tudo. Nada excitante, nada que cause euforia ou frio na barriga, nada que nao fosse esperado acontecer. 

Sempre me sinto meio ridículo quando penso isso mas como é chato envelhecer. Como é chato ser adulto, é muito muito muito chato. De repente você trabalha trabalha e consegue ter tudo o que sempre quis quando era mais novo mas nada mais tem graça. É sempre mais um dia, mais um final de semana bebendo, mais uma escapada da cidade pro interior, mais uma visita pra casa da mãe, mais um dia indo malhar, mais um dia de trabalho, mais uma coisa que você já fez e pensa em fazer de novo. Me dá um aperto em pensar que nada vai ser tão novo, nunca mais vou ficar tão animado. E já faz tanto tempo.. 

Sei la, faziam anos que nao escrevia. Vim pra cá pra me sentir abraçado e escrever como eu sempre gostei de fazer e me perdi. Foi bom ter registrado o que tava na minha cabeça pelas ultimas horas. Agora preciso dormir, amanha tem mais um dia de Home office, academia, crise no relacionamento e casa pra limpar. 

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